quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Humano é ser



Fiz uma experiência há pouco tempo que se resumia a imaginar todos os passageiros do meu ônibus como meus antigos professores. Desde o motorista até a moça sentada ao meu lado, fui tomada por um desejo genuíno de sorrir de encontro a cada um deles e abraçá-los. Tamanha é minha gratidão (por meus professores) que mesmo desconhecendo muitos deles como pessoas eu não hesito em me voltar a eles com amor.

Meu experimento naquele ônibus me trouxe de volta à lembrança e esperança de que, afinal, somos todos professores. Aprende-se com os alunos porque se aprende com as pessoas. Refletimos de um para um suas maiores qualidades e maiores defeitos. E, como em todo colégio, embora não concordando com a maneira de ensinar de alguns de nossos professores, ainda aprendemos e somos gratos.

Se procurássemos olhar para aqueles com quem compartilhamos diretamente essa vida, compreenderíamos o que há para ser dito, o que há para ser silenciado, o que há para ser mudado, o que há para ser perdoado, e o que há para ser resgatado. Uma infinita teia de nossas relações é ilustrada em um mapa sobre o qual não nos damos o trabalho de refletir. As respostas sobre nós mesmos estão nesse mapa.

Eis que no outro jaz a nossa luz e nossa sombra. E é enxergando a nós mesmos no outro que verdadeiramente entenderemos nossa missão. Seja lá quanto você acredite que ela dure, ou o significado que dê para ela, a mesma não deixa de ser uma passagem. E não estou aqui para dizer que “a vida é curta”, nem para dizer que ela não é. A vida, nem curta e nem longa, é abundante em cada minuto, significativa em cada gesto, determinante em cada escolha, e preciosa em todas as suas formas.

Confie na vida e perdoe. Perdoe seus amigos por serem humanos antes de amigos, seus filhos por serem humanos antes de filhos, seus pais por serem humanos antes de pais, e seus irmãos por serem humanos antes de irmãos.
O divino em mim reconhece e aprecia o divino em você.
Nos preocupamos tanto com a ignorância e a indiferença do mundo e não percebemos o mesmo erro presente em nossas relações sociais e pessoais. Nosso mundo vive o caos de seus indivíduos. Alguém que não admite as próprias falhas jamais será capaz de admitir os erros de uma geração inteira. É preciso entender que não somos seres políticos, não estamos aqui para lutar pelo poder e pela razão. Não estamos aqui para lutar por nada!

Não deixe que suas opiniões constitucionais prejudiquem sua fidelidade a quem te ama. Não deixe que sua tendência ideológica te impeça de acreditar em quem te ama. Não deixe que suas preferências religiosas te tirem a capacidade de ter fé também em quem te ama. Nada sabemos do mundo, e nada saberemos enquanto não olharmos para o lado.

Não há de existir nenhum outro obstáculo entre você e este texto, senão você mesmo. Pois ele passa de ser somente uma reflexão sobre a espiritualidade para ser uma reflexão sobre nossa capacidade de enxergar as pessoas, sejam seres de espírito ou de carne. Nosso grande defeito como sociedade e humanidade é não saber lidar com o outro, quando, em sua essência, “o outro” não é o desconhecido, mas sim uma lição daquilo que nós não reconhecemos dentro de nós mesmos.

{texto original escrito em novembro de 2016}

domingo, 1 de outubro de 2017

Precisamos falar sobre juventude, escuta e humanidade




No final de semana passado, participei do “JTalk: Vamos falar sobre suicídio”, a primeira roda de conversa organizada por meio da Casa J, projeto idealizado e fundado pelo Leonardo Nunes, aluno da Casa do Presente e colega que admiro muito. A Casa J é um espaço para a troca de conhecimentos entre jovens. Nasceu da ideia de conectar jovens e da luta contra a narrativa: “Esses jovens estão todos perdidos”. 

O Leonardo tirou a Casa J do papel ao lado de seu mentor Danilo Picucci. Eu e o Leo conhecemos nossos mentores juntos em um evento surreal da Casa do Presente para apostar nos nossos sonhos e promover o empreendedorismo jovem. Nesse dia cada aluno apresentou seu projeto em 4 minutos para cerca de 30 mentores (incríveis) completamente diferentes. Depois do evento escolhemos nossos mentores/jovens favoritos, e “deu match”. 

Em menos de seis meses a Casa J ganhou vida do desejo de dar voz às juventudes brasileiras, compartilhando e empoderando jovens por meio de um espaço onde não existe “conversa de adulto”, apenas coisas que precisam ser ditas e opiniões que merecem ser expressadas. Ou, como já diz a missão do projeto, a Casa J existe para “incluir diversidades humanas, colaborar e compartilhar, ser sustentável, participar, ser ocupado, despertar a curiosidade e distribuir amor”. E você sente. Eu senti.  

Em um círculo aberto na varanda de um coworking, conversamos sobre muito mais do que suicídio. Entendemos que nenhuma conversa segue do jeito que a gente espera quando nos permitimos abrir nossos corações para as coisas que não podemos controlar. Dias antes do evento, eu e Leonardo estávamos conversando, e falei pra ele: Vai ser tudo exatamente como deve ser, porque esse encontro já estava marcado muito antes de você criar o evento. E eu não fazia ideia do quanto aquelas palavras significavam até escutar as pessoas que estavam presentes naquele círculo. 

Nós aprendemos juntos naquele dia que enxergar o outro vai além do que podemos ver, e nosso poder de escuta vai além das palavras. Aprendemos sobre a fragilidade de ser humano, e aprendemos sobre amor. Saindo dali, eu não conseguia parar de pensar em como escrever sobre aquele dia. A minha experiência com a Casa J me despertou para a urgência de falarmos sobre juventude, escuta e humanidade. O quão importante é que enxerguemos os jovens como seres completos, e olhemos para suas dores com reconhecimento, respeito e empatia! E eu espero que mais jovens possam não só ganhar voz por meio desse projeto, mas também serem escutados

LEONARDO, seu gigante! Você não faz ideia do tamanho desse projeto! 





Em uma realidade em que o jovem é colocado como imperfeito, inacabado e incapaz, a Casa J co-existe com a necessidade de compreendermos a importância da representatividade e do protagonismo jovem. E tem forma mais bonita de manifestar isso do que por meio de um projeto incrível criado por um cara com breves 20 anos de idade? Só consigo transbordar de amor pela iniciativa da Casa do Presente de promover vida aos nossos projetos e mostrar que os jovens já são capazes de recriar o mundo.

Será mesmo que somos nós "muito jovens para entender" ou o mundo que é jovem demais para compreender? 

Certamente temos muito o que aprender, mas falta lembrar que jamais seremos velhos demais para isso. Ainda esse ano, escutei a conversa de uma mãe e sua filha no ponto de ônibus. A menina devia ter menos de oito anos, e havia acabado de sair da escola toda maquiada. A mãe a questionou sobre a maquiagem e a pequena disse “fizemos um salão de beleza para crianças”, e depois de uma pausa, esclareceu “criança, não criança grande”

Alguns (muitos) adultos parecem temer a voz dos jovens, como se colocassem à prova seu aprendizado de uma vida inteira, ou assustassem com a promessa de um futuro que eles dificilmente seriam capazes sequer de imaginar, o que dirá entender e compreender. O problema nisso é que não podemos falar de educação sem os jovens (e as ocupações nas escolas estão aí para provar que eles podem!), não podemos falar do que é melhor para as crianças sem escutar as crianças, e não podemos falar de mudança sem o lugar de fala daqueles que são responsáveis pelo futuro. 

Por projetos como a Casa J e a Casa do Presente que acredito que o protagonismo e a representatividade jovem em geral podem mudar a forma como enxergamos o outro. A Casa J, para mim, é acima de tudo uma manifestação natural dessa causa. E a representa com verdade, dando visibilidade às juventudes cuja opinião é tratada com respeito desigual e ainda são colocadas de fora de assuntos de importância humana que transcendem idade, raça, sexualidade, classe, política, religião, e qualquer outra barreira invisível entre nós que todos somos responsáveis por romper. 

Apenas porque somos humanos, e é isso que deveria nos definir. 

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Conheça os projetos da Casa do Presente e da Casa J




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